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Da Champs Elysées aos céus nas asas brasileiras

Há algumas semanas contei sobre Amsterdam e sobre os curiosos azulejos que lá encontrei, foi muito bom perceber a curiosidade e o entusiasmo de alguns leitores, que jamais pensei ter com esse Blog. A partir disso decidi contar algumas outras das minhas histórias e principalmente dos personagens que "encontrei" por ai.

Como falei no post sobre Amsterdã sou daqueles turistas que gostam de andar pela cidade e tentar ver como a vida funciona por lá. Mas desta vez estava em um ponto turístico mais que manjado, a Champs Elysées em Paris. Sim, já fui até lá onde um conhecido político brasileiro se refugiou ao perder as eleições (sei que já fiz esta piada no texto da semana passada, desculpem). Uma das mais famosas avenidas do mundo a Champs Elysées, na sua parte mais nobre, tem em uma das pontas a Place de la Concorde e na outra o famoso Arco do Triunfo de Napoleão. É um dos endereços mais caros do mundo. 

Mas como já contei, meus olhos sempre buscam coisas inusitadas. Em meio as lojas de grifes famosas, restaurantes chiques (outros nem tanto) e, como fui nos dias natalinos, uma simpática feira, o que encontro? Uma placa.


Então num dos mais famosos cartões postais do mundo tem uma placa homenageando um brasileiro? 😎

Não qualquer brasileiro é claro, era Alberto Santos Dumont. Talvez você o conheça como pai da aviação, sim um apelido mais que merecido, mas segundo me consta só usado aqui nas terras tupiniquins e na França. Não sei a verdade sobre isso, mas sei que os estadunidenses da NASA dizem que quem inventou o avião foram os irmãos Wright. Bom, não sei vocês, mas eu não caio nessa.

Mas Santos Dumont foi muitas coisas. Um engenheiro sagaz e prático, um espírito livre a dicotômico. Ao mesmo tempo que usava a física a seu favor, era supersticioso. Visitei a casa dele em Petrópolis. A escada tem degraus de madeira te obrigavam a pisar primeiro com o pé direito, incrível. Mas independente de suas idiossincrasias, foi um homem de seu tempo.

Quando criança ele sonhava repetir cenas dos livros de Jules Verne, em que homens voavam controlando suas trajetórias e transpunham grandes distâncias em pouco tempo. Até Santos Dumont o único meio de voar era com balões de ar quente, que vagavam ao sabor dos ventos. Era possível dar-lhes direção, desde que você o levasse até a altitude na qual o vento estivesse em congruência com a direção desejada. Nunca voei num balão de ar quente, dizem que é sensacional.

Santos Dumont então começa a experimentar com balões dirigíveis, aqueles que não mais dependiam da direção dos ventos e podia vagar ao desejo daquele ou daquela que o pilotassem. Não criou um, mas vários, usava motores a combustão para isso.

Além disso, os balões dele precisavam de um abrigo quando em solo. Para isso ele criou os hangares, aquelas grandes estruturas que hoje podemos observar em aeroportos onde são feitas as manutenções dos aviões. Nada disso era necessário até então, ele precisou ousar e criar na mente, colocar no papel e erguer.

Quando movimentos de mãos e braços eram necessários para manter o controle da nau aérea, como tirar os relógios dos bolsos para verificar o tempo decorrido ou mesmo saber a hora? Relógios de bolso, chiques e úteis para um passeio no parque ou para um reunião de negócios, não eram práticos para um aeronauta, ele desenhou uma versão masculina para um bibelô mas afeito a pulsos femininos à época. Uma leve movimento do braço permitia que o piloto pudesse saber o tempo sem perder o contato precioso no controle do dirigível.

Assim, o carinhosamente apelidado de Le Petit Santô (1,52 m de estatura), ele conquistou a Paris, a França, a Europa e o mundo. Levou um de seus dirigíveis a voar em direção a Torre Eiffel, essa já uma obra fenomenal da engenharia, contorná-la e traze-lo de volta ao ponto de partida. Isso valeu um prêmio de 129 mil francos oferecido pelo milionário Deutsche de La Meurthe para quem realizasse o feito. Era 4 de novembro de 1901 (o voo foi realizado em 19 de outubro e homologado posteriormente), alvorecer do século XX, século que traria as duas piores guerras já vistas pela humanidade.

Mas Santos Dumont não ficou satisfeito, a dirigibilidade já não era o horizonte, e além de aperfeiçoar seus dirigíveis (mais leves que o ar), passou a trabalhar em aparelhos mais pesados. Construiu e ele mesmo testou seus protótipos, o que nem sempre é uma boa ideia, me fez lembrar a cena do filme o aviador na qual o personagem interpretado por Leonardo di Caprio "aterrissa" sobre casas e quintais com seu protótipo. Mas assim era "Le Petit", espirito livre, de seu tempo.

Construiu o famoso 14bis, hoje parece uma traquitana esquisita, como uma pipa caixa gigante. Parece que esta voando de ré. Mas no dia 12 de novembro de 1906 o Oiseau de Proie III (como também era chamado o 14bis) decolou e voou 220 metros com velocidade de 36 km/h! Impressionante, tudo sob a vigilância atenta da Comissão Oficial do Aeroclube da França. Mais dois prêmios e fama. 

Alberto então constrói outro aeroplano, o delicados modelo Demoiselle (ele fabricou várias versões que batizava com números. Um homem abnegado como ele não escondeu do mundo o projeto, forneceu a quem quisesse construir seu modelo. Sonhava com a difusão da aviação, que todos tivessem acesso aos aeroplanos. Foram construídos mais de 300 deles pela Europa, em diversas oficinas. Com o Demoiselle, Santos Dumont realizou o seu sonho de ganhar os ares e percorrer distâncias. Bateu vários recordes de distância, tempo e velocidade, era a humanidade ganhando asas por meio de um brasileirinho.

A esclerose múltipla começa a se instalar e em seguida a primeira guerra mundial começa. Uma sombra cobre a aviação quando os aeroplanos são utilizados como armas. Dicotômico, Alberto se abate, mas incentiva a indústria militar. Aconselha pela formação de pessoal militar em aeronáutica e pede a Liga das Nações que aviões sejam proibidos em guerras. Armas mortíferas. Ainda na França, durante a guerra, foi preso como espião Alemão! Incrível a vida deste carinha genial que alguns anos antes também tinha escalado o Mont Blanc (4810 m) e participara de provas automobilísticas e ciclísticas.

Quando retornou ao Brasil, doente e deprimido, ainda foi vítima do uso de aviões no bombardeio ao Campo de Marte na revolução constitucionalista de 1932. Ficou horrorizado com a ideia de que sua invenção se tornasse arma mortífera provocando "derramamento de sangue de irmãos"[1]. 

O fim triste, suicídio, provavelmente fruto de depressão. Uma vida que deve ser homenageada, até mesmo na deslumbrante Champs Elysées, Paris [2]. Para terminar o orgulho ufanista que senti foi alguns anos depois revivido ao voar de Nova York até Charlotte nos Estados Unidos, por uma empresa aérea estadunidense em um EMB-190, um neto ou bisneto do 14bis (chupa irmãos Wright). Le Petit Santô continua vivo nas engenhocas que inventou e contribuem para diminuir as distâncias entre pessoas.

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[1] Palavras do próprio em telefonema para José de Oliveira Orlandi. Barros, H L de (2003). «Santos Dumont: o vôo que mudou a história da aviação». Parcerias Estratégicas. 8 (17): 303-341. Arquivado do original em 3 de setembro de 2021

[2] A placa na Champs Elysées está longe de ser a única ou maior homenagem a Santos Dumont, há vários bustos, esculturas e placas espalhadas na França, Brasil e até Estados Unidos. Longe de tentar escrever uma nova biografia para Santos Dumont esse texto é apenas uma breve e canhestra tentativa de contar um momento emocionante para mim.

PS - Fica aqui meu agradecimento a Marcelli de Azevedo que me ajudou com a grafia das palavras em Francês (por sorte é escrito, se tivesse que pronunciar, nem te conto o desastre).

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