Muitos intelectuais assinalam que os séculos de fato não se comportam como séculos cronológicos. Como exemplo, o século XX teria iniciado com as grandes guerras e terminado com a queda do muro de Berlim. Se não combinarmos que há um vácuo temporal ou vazio escalar numérico, o século XXI teria começado ali, o que muitos contestam e dizem que o século XXI começou em setembro de 2001 (Torres Gêmeas) outros que começa em 2008 (Crise dos Subprimes). Para minha argumentação as datas específicas em si não são tão relevantes, mas sim os conceitos, ou seja, em qual “século” posicionaremos as mudanças na ordem geopolítica que estão ocorrendo em 2025?
Como as referências citadas posicionam o início e fim dos séculos em momentos históricos que cambiaram a geopolítica, eu quero chamar a reflexão para quem ainda não notou, que está ocorrendo uma ruptura brusca nas coisas como eram. Claro que desde a crise de 2008 podemos observar rachaduras na estrutura da organização planetária, com várias nuances que não tenho espaço para dissecar, mas nenhum dos fatos históricos ocorridos teve o potencial de mudança tão brusca como o que vemos agora. Só para exemplificar a invasão da Ucrânia, tão próxima as potências europeias, com potencial para gerar uma nova guerra mundial, não estremeceu tanto as colunas e vigas do status quo como o que aconteceu nos últimos 3 meses desde a posse de Trump (não é objeto do texto avaliar a correção ou erros das ações). O que vem pela frente parece ser uma mudança tão impressionante como a causada pela queda do império romano, pelas revoluções do XVIII e pelas guerras mundiais. Qual será a mudança? Não sei.
Sei que estou sendo simplista demais, mas vou reduzir a questão a dois campos que me parecem muito claros. Também expor a situação atual. No campo dos que desejam uma ordem autoritária e isolacionista, há um plano pela frente, um projeto muito bem elaborado em execução e principalmente com alguns sucessos. Contudo, para o campo que deseja uma realidade democrática, que respeite os direitos e as liberdades conquistadas, que trate a crise climática com a gravidade necessária, a situação perece pouquíssimo favorável.
Vejo três problemas muito complexos. O primeiro é defender as instituições para que essas não permitam que o autoritarismo se imponha. O segundo é reconhecer que as instituições que hoje existem parecem não mais responder as exigências do mundo real. A terceira é propor novas instituições que preencham os requisitos da realidade que se impõe. Parando para pensar só um pouco, essa tarefa é árdua, principalmente se levarmos em consideração que defender as instituições ao mesmo tempo que realiza críticas a elas pode parecer no mínimo incoerente. Mas como atender as demandas de um mundo que “mudou de século” com instituições ultrapassadas sem abrir espaço para que soluções autoritárias predominem? Hoje países que ainda não caíram em soluções autoritárias estão na dependência das instituições vigentes, instituições essas que não mais respondem aos anseios das sociedades. Pelo menos a história nos mostra que nas “mudanças de século” a ordem precisou ser mudada.
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Este texto foi publicano no Jornal O Estado de São Paulo em 13/04/2025
https://shre.ink/oseculoXXIacabou
Li, e concordo com sua parresia...estamos caminhando para uma situação terrível, infelizmente e a maioria da população não está vislumbrando isso!
ResponderExcluirObrigado! Penso que são mais incertezas do que caminhos definidos.
ExcluirExcelente reflexão. Observar os fatos enquanto estes ocorrem, nem sempre é tão simples. Parabéns pela lucidez. Para fins de provocação, lembro que Trump foi eleito. Não seria essa ruptura a expressão da vontade popular?
ResponderExcluirObrigado pelo elogio ao texto. Vamos por partes, como está no texto meu objetivo não foi avaliar a eleição do Trump, muito menos seu governo. Ele foi eleito pelo povo dos Estados unidos, isso é fato e eu não sou cidadão de lá. Minha reflexão é sobre o impacto disso no mundo como nós conhecíamos, como será o mundo a partir de agora? Mas eu acho, e somente acho, que será de uma maneira que nunca vimos antes. Não será como os conservadores pensam que deve ser, os progressistas parecem sem projeto claro e nem será como os liberais que buscam uma volta para antes de 2008.
ExcluirTexto lúcido, objetivo, provocador, espero verdadeiramente que as instituições voltem a servir a sociedade. Parabéns pelo texto
ResponderExcluirObrigado!
ExcluirMuito bacana Mestre!! Enquanto lia, passava a notícia ao fundo de novos ajustes nas tarifas do Trump!! Às vezes fico um pouco assustado com o futuro, pois vejo que os maiores poderes do Mundo podem ser entregues nas mãos de lunáticos!! Com certeza o Mundo já passou por isso em outros tempos, mas parece que a população está cada vez mais avessa aos impactos que teremos já num curto prazo, quem dirá a longo!! 😢
ResponderExcluirObrigado Heverton. Como disse no texto meu objetivo não foi discutir o governo Trump. A guerra da tarifas são apenas mais um dos elementos contidos no processo de mudança, e reforçam a tese que defendo no texto, mas somente as tarifas não explicam o todo. Além disso, podemos pinçar diversos outros exemplos que contribuem para reforçar a tese. Como disse antes, caminhamos para algum lugar, para onde? Não sei.
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