Texto publicano no O Estado de São Paulo em 19/10/23
A matéria Cientistas detectam ‘demônio’ em metal supercondutor (Estadão, 15/10) mostra uma descoberta aparentemente inútil, afinal os próprios cientistas ainda não sabem qual a utilidade dela. Esse desfecho, que parece surpreendente, não tem nada de incomum. Chama-se ciência de base, coisa desprezada no Brasil. Ciência de base, ou ciência pura como alguns preferem, compõe um conjunto de estudos que a priori não tem utilidade e que se contrapõe à ciência aplicada. Uma não é mais importante que a outra, mas é a partir da ciência de base que muito da tecnologia atual é possível. Há diversos exemplos de descobertas aparentemente inúteis que nos levaram a avanços tecnológicos sem precedentes nos últimos 200 anos. Do comportamento dual onda/partícula da luz (que nos permite os raios laser) até a existência de antipartículas como o pósitron (que nos permite melhorar o diagnóstico por imagens), temos exemplos em diversas áreas. Aqui, no Brasil, onde fazer ciência já é difícil, é uma missão quase impossível explicar a importância da ciência, tecnologia e inovação (CT&I) para o brasileiro comum, que enfrenta diariamente violência e problemas na saúde, no transporte público, no trabalho, etc. Mas é mister saber que sem ciência não se resolve a maioria dos problemas. A aplicação de recursos em CT&I é o que está fazendo países como a China e a Índia ultrapassarem o Brasil em áreas que há 50 anos nem sequer eram cogitadas. Muito se fala hoje da pujança do agronegócio, mas se esquecem de que foram feitos investimentos públicos maciços no desenvolvimento de uma agricultura e pecuária rentável por meio da Embrapa. Dinheiro público que possibilita que os empresários da área naveguem em águas bem mais calmas. A Fiocruz e o Instituto Butantan são exemplos na saúde, com o desenvolvimento de vacinas e soros antiofídicos com tecnologia brasileira. Isso sem falar nas universidades públicas, hoje sofrendo forte ataque, como se não fossem quase sozinhas produtoras de ciência no Brasil. Até hoje, um dos primeiros projetos de trem Maglev no mundo está há décadas no protótipo que foi desenvolvido na UFRJ. Urge uma política pública de educação científica nos ensinos fundamental e médio, incentivos aos pesquisadores nas universidades e estímulos à criação de centros de pesquisa e desenvolvimento independentes. Essas prioridades são para que o Brasil não se torne apenas um celeiro do mundo – aliás, posição que pode perder com os investimentos de CT&I que a China tem feito na África. Entre os deuses e demônios da ciência, ficar parado é uma escolha.
Marco Machado
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O Dr. Alberto Mac Dowell de Figueiredo complementou de forma cirúrgica o texto que escrevi. Reproduzo abaixo, com devida autorização, o texto que ele gentilmente me enviou.
Ao Marco Machado
“Na era da tecnologia digital, o diferencial para o sucesso dos empreendimentos será o capital humano, o mesmo que o capital financeiro representou no século passado. Desse modo, é fundamental que os países invistam o máximo possível na formação de sua juventude para conseguir obter o máximo possível de talentos”. Klaus Martin Schwab, engenheiro e economista alemão, fundador e presidente executivo do Fórum Econômico Mundial em Davos, Suíça.
Torço para que sua mensagem publicada hoje no Estadão, não seja apenas a de mais um beija-flor que tenta apagar o incêndio da ignorância, como tantos outros que bradam para ouvidos moucos. Que nos impõem, como noticiado, cortes de verbas para a ciência e pesquisas, sob a responsabilidade de um professor universitário, ministro deste “país do futuro”. Um futuro que deveria estar calcado no conhecimento disseminado através da educação, C&T e inovação. Indiscutíveis prioridades reconhecidas são alavancas do desenvolvimento de diferentes países que estão em franca evolução no Sudeste Asiático e na Oceania, além de Índia e China nominados em sua msg. Se mais não fosse, pelo menos por pragmatismo, como no agronegócio, responsável por 30% de nossas exportações e fruto dos esforços de 50 anos de pesquisas da Embrapa. Como teimamos em reproduzir como avestruzes as mesmas cegas atitudes, estamos expostos a repetir o caso da seringueira no inicio do século passado, quando passamos de monopolistas à condição atual de produzir 100 mil toneladas anuais, 1/3 do nosso consumo e 1% da produção mundial, enquanto Tailândia, Indonésia, Malásia, Índia, Vietnã e China produzem 8 milhões de toneladas de látex natural. No caso da soja, os chineses fizeram parcerias no Maranhão e Piauí para absorver a tecnologia de produção e, atualmente desenvolvem 06 (seis) projetos de soja na Somália, cuja logística marítima para Xangai é metade da distancia de qualquer porto brasileiro. Além disso, são sócios de pelo menos três usinas de açúcar em SP e provavelmente deverão reproduzir o caso da soja, pelas mesmas razões logísticas. Pelo andar da carruagem, além de continuar com baixa produtividade, 1/4 da média mundial, vamos perder também a primazia na exportação de produtos primários, pois a boca de jacaré das diferenças não para de aumentar e “adios” celeiro do mundo.
Desculpe a catarse e a extensão.
Saudações
Alberto Mac Dowell de Figueiredo
São Carlos/SP
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Sugiro conhecer a https://pt.wikipedia.org/wiki/Netiqueta