Pular para o conteúdo principal

Empirismo, o que é e o que não é

- Ah! Mas eles são empíricos!
Desde que entrei na universidade o termo empírico era usado com desprezo, lamento que até hoje ainda seja assim. O termo empírico era usado para definir ou classificar aquele indivíduo que não havia passado pela formação formal, acadêmica. Era aquele que havia aprendido com a prática e sendo assim, um mero imitador daquilo que tinha observado outros fazerem ou que tinham criado maneiras heterodoxas de fazer. Lamentável. Primeiro não quero menosprezar a experiencia pessoal de alguém que pode ser muito valiosa em diversos campos, mas não é isso que gostaria de debater com vocês. Meu problema é que uma rica tradição filosófica, imprescindível para o desenvolvimento da ciência que conhecemos hoje, foi totalmente deturpado. E pasmem ou não, ouço isso de professores universitários e li em artigos e livros técnico-científicos aos montes.

Venho da área da Educação Física, e um exemplo claro eram os métodos utilizados com alguma profusão na época. Recebíamos uma “receita de bolo” de como treinamento com pesos deveria ser feito: 3x10 para crescer, 3x15 para recortar e mais do que isso para emagrecer. Quando íamos a campo, observávamos que muitas pessoas, inclusive treinadores e atletas de nível mundial não usavam nossa tabelinha, apesarem de ser competidores de elite. “Ah! Mas eles são empíricos”  

Origens do Empirismo:

Os filósofos pré-socráticos, como Demócrito e Aristóteles, foram alguns dos primeiros pensadores a abordar a relação entre a experiência e o conhecimento. Sextus Empiricus, um filósofo grego que viveu no final do século II e início do século III d.C., é conhecido por seu papel significativo no desenvolvimento do empirismo. Embora ele não seja considerado um precursor direto do empirismo moderno, suas ideias influenciaram a filosofia posterior e ajudaram a moldar algumas das principais características dessa abordagem filosófica.

No entanto, foi durante o Iluminismo que o empirismo ganhou força como uma resposta às teorias inatas da época, que defendiam que o conhecimento humano era inerente à mente. O filósofo inglês John Locke (1632-1704) é considerado um dos principais expoentes do empirismo moderno e influenciou profundamente a forma como a filosofia e a ciência seriam abordadas no futuro.

George Berkeley (1685-1753) foi outro importante seguidor do empirismo. Ele defendia que tudo o que existe é composto de ideias e que a realidade externa depende da mente e da percepção humana. Sua abordagem é conhecida como "idealismo subjetivo".

Também David Hume (1711-1776) aprofundou as ideias empiristas e questionou a noção de causalidade, argumentando que não podemos perceber diretamente a conexão entre causa e efeito, apenas a sucessão constante de eventos.

O empirismo se baseia em alguns princípios fundamentais que ajudam a moldar sua concepção do conhecimento:

A) Tabula Rasa: Esse termo, cunhado por John Locke, significa "tábula rasa" ou "folha em branco". A ideia é que a mente humana nasce vazia de ideias e conhecimento, sendo preenchida gradualmente através da experiência sensorial com o mundo externo.

B) Sensação e Reflexão: Para o empirismo, toda nossa compreensão do mundo origina-se a partir da experiência sensorial. As sensações, provenientes dos sentidos, e as reflexões sobre essas sensações constituem a matéria-prima para a construção do conhecimento.

C) Empirismo Indutivo: O método indutivo é utilizado para generalizar observações particulares a fim de se obter conhecimento geral. Ou seja, através de repetidas experiências semelhantes, é possível estabelecer leis ou princípios gerais.

O empirismo forneceu a base filosófica para o desenvolvimento do positivismo no século XIX, uma corrente que enfatizava a importância da observação e da experimentação para o avanço da ciência. O método científico, tal como é empregado atualmente, reflete essa perspectiva empirista, com sua ênfase na formulação de hipóteses testáveis e na verificação empírica.

Apesar das contribuições significativas do empirismo para o desenvolvimento da ciência, essa abordagem filosófica também enfrentou críticas ao longo do tempo. Algumas das principais críticas incluem:

A) Limitações da Experiência: Nem todas as formas de conhecimento podem ser obtidas unicamente pela experiência sensorial. Questões éticas, estéticas, metafísicas e até mesmo alguns princípios lógicos transcendem a pura observação.

B) Problema da Indução: O método indutivo pode levar a generalizações precipitadas, uma vez que a verdade de uma lei geral não é garantida por meras repetições de eventos similares.

C) Teorias Científicas e Paradigmas: O empirismo muitas vezes assume que a ciência avança gradualmente acumulando conhecimento através da observação. No entanto, teorias científicas revolucionárias e mudanças de paradigma ocorrem na história da ciência, e essas transformações não podem ser explicadas apenas pela observação empírica.

Embora o empirismo tenha sido criticado e modificado ao longo dos séculos, sua influência permanece na forma como abordamos o conhecimento. A ciência contemporânea ainda é amplamente fundamentada na observação, experimentação e coleta de dados empíricos. No entanto, outras correntes filosóficas, como o racionalismo e o construtivismo, também desempenham papéis importantes no entendimento da natureza do conhecimento humano.

Crédito da imagem: Carlos Ruas (http://www.filosofia.com.br/figuras/charge/209.jpg)

Comentários

Postar um comentário

Sugiro conhecer a https://pt.wikipedia.org/wiki/Netiqueta

Postagens mais visitadas deste blog

O Século XXI Acabou?

Muitos intelectuais assinalam que os séculos de fato não se comportam como séculos cronológicos. Como exemplo, o século XX teria iniciado com as grandes guerras e terminado com a queda do muro de Berlim. Se não combinarmos que há um vácuo temporal ou vazio escalar numérico, o século XXI teria começado ali, o que muitos contestam e dizem que o século XXI começou em setembro de 2001 (Torres Gêmeas) outros que começa em 2008 (Crise dos Subprimes ). Para minha argumentação as datas específicas em si não são tão relevantes, mas sim os conceitos, ou seja, em qual “século” posicionaremos as mudanças na ordem geopolítica que estão ocorrendo em 2025? Como as referências citadas posicionam o início e fim dos séculos em momentos históricos que cambiaram a geopolítica, eu quero chamar a reflexão para quem ainda não notou, que está ocorrendo uma ruptura brusca nas coisas como eram. Claro que desde a crise de 2008 podemos observar rachaduras na estrutura da organização planetária, com várias nuances...

Professor, além de dar aula você trabalha?

Prof. Lambeau: "Você tem medo de fracassar, e é por isso que você sabota qualquer chance que tenha de realmente ter sucesso." Will: "Você acha que eu sou um fracassado porque quero trabalhar em uma construção?" [1]   A linguagem cria e derruba realidades. Curioso como a escolha de palavras pode ser aterrorizante. Há alguns anos o jornalista Alexandre Garcia [2] fez um comentário em um dos noticiários da televisão aberta, todos os anos o vídeo ressurge das trevas do esquecimento quando chega próximo ao Dia dos Professores. O texto do jornalista a princípio, sem análise crítica, parece uma ode, uma homenagem aos professores e professoras desamparadas, que tem até medo de serem denominadas como tal, preferindo ser chamadas de educadoras ou pedagogas (SIC). Mas qual seria a minha análise crítica do que é proferido pelo jornalista. Ao contrário de elevar a condição de professor, ela rebaixa! Sim, simulando o enaltecer de toda uma categoria, ela coloca todos em...

REVISÃO PELOS PARES: QUE BICHO É ESTE?

 Publicado inicialmente em:  Brazilian Journal of Biomotricity, vol. 2, núm. 1, março, 2008, pp. 1-2. O Brazilian Journal of Biomotricity tem basicamente dois perfis de leitores: o pesquisador, que vem atrás da informação científica para usar como suporte para seus futuros trabalhos, e o leitor não pesquisador, aquele que procura os trabalhos para se atualizar, aprender novas técnicas ou apenas tomar conhecimento da existência delas. Esse leitor não pesquisador pode não ter noção do que é enviar um trabalho para uma revista científica arbitrada pelo sistema de revisão pelos pares ( peer review ). Mas vamos tentar transmitir um pouco do que é isso. O pesquisador passa muito tempo tentando conseguir as condições para realizar seu trabalho. Precisa conseguir verba, equipamentos, assistentes, aprovação do comitê de ética, etc. Tudo para começar o trabalho de coleta de dados. Após a coleta de dados gasta um grande tempo analisando os dados e depois interpretando estes dados. Compar...