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Porque não sou filósofo (mas me meti a escrever sobre)

Imagine uma mão de cartas, não importa o jogo. Continue imaginando que o jogador recebeu um número de cartas, as tomou a mão e formou um leque, contudo ao olhar para o leque de cartas havia cartas do baralho tradicional que conhecemos, cartas de tarô, cartas de super trunfo... Assim, de forma bem particular, me parece a definição de filósofo: você pode ser um valete de copas, ou uma carta do enforcado, ou mesmo uma carta do Ford Mustang 1972, um caça F/A-18 Super Hornet ou um personagem do Pokémon.

A tradição ocidental que aparece em todas as aulas de introdução a filosofia é de que o filósofo, antes de tudo, é um amante do saber. De certa forma, este é um fio condutor. Mas ao tentar aprofundar mais um pouco, vemos tradições em que o filósofo busca a verdade, busca a verdade e procura viver dentro desta verdade, é um agente de compreensão de deu tempo, é uma espécie de militante para mudanças sociais a partir da crítica ao status quo, ou até mesmo um acadêmico que tem um diploma de filosofia.

Não me considero um pertencente de nenhum destas tradições. Sou um amante do saber, mas não no sentido estrito da filosofia, minhas perguntas ao universo e a minha mente são um pouco diferentes. Não por considerá-las erradas ou imprecisas, pelo contrário, considero todas meritosas, mas porque não consigo ser nenhuma destas cartas.

“Sou muito chato, eu sou meio mais ou menos
E além de burro, ainda tenho o p** pequeno
Eu sou um m****, um zé-mané, um zero à esquerda
Se eu morrer, ninguém vai sentir a perda
Eu tô tristão, tô sofrendo pra c******.
Eu me f***, sou carta fora do baralho.”[1]

Brincadeiras à parte, talvez essa estrofe me coloque bem na situação de pretenso filósofo, que continuo afirmando que não sou. No posfácio do meu livro “Mente Mosaico” eu faço a afirmação de que o leitor que alcançou aquele ponto na leitura do livro, e dele extraiu uma opinião crítica, é mais filósofo do que eu. Reafirmo.

Mas eu sou mesmo assim, meus primeiros livros foram de bioquímica e fisiologia, e sou uma unanimidade (faça aqui a devida deferência a Nelson Rodrigues). Os bioquímicos me consideram fisiologista, e é claro que o oposto também é verdadeiro. Certamente há aqueles que não me considerem nenhum dos dois. Agora chegou a vez dos filósofos falarem que não sou filósofo. Aqui me encontro na encruzilhada como o músico de Blues[2], mas já chego com a assinatura no pacto, antes mesmo de saber qual é o pacto.




[1] “Tô Tristão” (Beto Silva, Claude Mañel, Bussunda & Mané Jacó) faixa do álbum “Preto com um buraco no meio” do grupo Casseta e Planeta, 1989. Grifo meu.

[2] É uma lenda muito comum, principalmente na região do Delta do Mississipi (EUA) que músicos de blues e jazz fizessem pactos com o diabo para ganharam talento, fama e fortuna. A lenda mais famosa é do bluesman Robert Johnson (https://nationalbluesmuseum.org/stories-of-the-crossroads-blues-myths-did-robert-johnson-really-sell-his-soul-to-the-devil/) 

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