Pular para o conteúdo principal

Reacionário, conservador, progressista e revolucionário: Quem são? Onde vivem? O que comem?[1]


"Existem duas coisas infinitas: o universo e a estupidez humana. E eu não tenho tanta certeza sobre o universo." Essa é mais uma citação que quase com certeza não foi dita pelo Albert[2]. Mas ela cabe muito bem aqui. Será que é tão difícil? Seguindo a ordem do título (arbitrária é claro, podia começar de onde quisesse). Um reacionário vem a ser uma pessoa que é avessa a mudanças, e que em alguns casos cogita até mesmo um retorno a uma situação histórica anterior pois a considera melhor do que a atual e do que as perspectivas para o futuro. Para ele as mudanças são nocivas, corroem e corrompem as pessoas e a sociedade como um todo.

Já um conservador tem uma posição distinta. Ele não é avesso a mudanças (pelo menos não deveria, pois seria um reacionário). A posição que em geral um conservador tem é de cautela com as mudanças. Alguns conservadores podem até ser muito cautelosos e outros um pouco menos, mas eles consideram que é muito importante ponderar bem as possíveis mudanças, avançar com pequenos passos, verificar a cada pequena mudança o que funcionou ou não antes de seguir um próximo passo. Um conservador pode até ser avesso a certas mudanças, mas de modo geral não é avesso ao avanço, desde que cauteloso, ou prudente como talvez ele possa preferir ser classificado. Chamar alguém de conservador não deveria ser uma ofensa, é apenas um modo de ver o mundo e a sociedade em geral.

Da mesma forma, um progressista não é um louco desvairado atras de mudar tudo na maior velocidade possível. Transformar sociedade de uma hora para outra. Ele também não é desprovido de cautela ou prudência, ele apenas considera que determinados problemas são tão graves que precisam de mudanças mais rápidas, sob pena de que alguns grupos possam sofrer desnecessariamente por tempo em demasia. Também não deveria ser uma ofensa ser chamado de progressista. Depois poderemos discutir isso comparando a luz de alguns exemplos cotidianos.

E o que é um revolucionário? De certo modo, poderíamos dizer que é uma pessoa que sente uma urgência de mudanças, de transformações. Para ele não há intervalo de tempo que possa ser aceitável para que as normas sociais e políticas sejam mudadas. Ele pensa com a certeza de que uma ruptura abrupta com o status quo tem que acontecer.

“Ora, temos um Sherlock Homes na plateia!”[3] Nada disso, qualquer dicionário de bolso (ou digital no seu smartphone) pode explicar isso rapidamente. Mas tudo em volta do buraco é abismo como nos conta Ariano Suassuna em uma de suas palestras. O problema é quando outros rótulos são aderidos de forma irracional uns aos outros. Vem comigo.

Provavelmente, ainda mais nessa década, você deve ter ouvido que todo conservador e reacionário são de direita no espectro político, e que todo progressista e revolucionário é de esquerda. Paremos para pensar um pouco: imagine um marxista-leninista lutando para que um regime estilo pós revolução Russa de 1917 seja implantado abruptamente porque só assim o proletariado será contemplado com seus direitos. Ele certamente está no espectro político de esquerda, mas é um revolucionário ou uma reacionário? E um neonazista que deseja implantar uma ruptura para que os preceitos do fascismo sejam imediatamente vigentes: ele é um revolucionário ou reacionário? Talvez aqui precisemos realmente de um “Sherlock na plateia”. Criar rótulos que se referem a categorias distintas como se fossem equivalentes levam a erros bem comuns no debate raso que temos hoje em dia.

Vamos a outro exemplo, um conservador pode ser a favor da união homoafetiva, mas contra o sacramento do matrimônio entre pessoas do mesmo sexo, e aí ele é conservador, progressista, de direita, de esquerda? E um socialista de carteirinha que é contra pautas identitárias? É um conservador de esquerda? Na cabeça dogmática de muitos, nessa mistura de caixa de bombons[4] a coisa está muito complicada.

Resumindo, vamos separar as categorias de acordo com seus sentidos lógicos, semânticos e filosóficos (éticos e políticos). Mais debates e menos repetições de slogans.


[1] Bordão do apresentador Sérgio Chapelin nas chamadas do programa de televisão Globo Reporter (Rede Globo)

[2] Essa citação é muito comumente atribuída a Albert Einstein, contudo é quase certo que ele nunca disse isso (fonte: CALAPRICE, Alice (2010) The Ultimate Quotable Einstein New York: Princeton University Press. ISBN: 978-0691138176)

[3] Mais uma citação de autoria desconhecida, mas aqui presto minhas homenagens aos artistas Afonso Padilha e Thiago Ventura de onde mais vezes ouvi esta frase.

[4] Vídeo bem didático para explicar a metáfora das caixas de bombom e a falácia da falsa dicotomia https://youtu.be/UoZ_X8a47Oc.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

O Século XXI Acabou?

Muitos intelectuais assinalam que os séculos de fato não se comportam como séculos cronológicos. Como exemplo, o século XX teria iniciado com as grandes guerras e terminado com a queda do muro de Berlim. Se não combinarmos que há um vácuo temporal ou vazio escalar numérico, o século XXI teria começado ali, o que muitos contestam e dizem que o século XXI começou em setembro de 2001 (Torres Gêmeas) outros que começa em 2008 (Crise dos Subprimes ). Para minha argumentação as datas específicas em si não são tão relevantes, mas sim os conceitos, ou seja, em qual “século” posicionaremos as mudanças na ordem geopolítica que estão ocorrendo em 2025? Como as referências citadas posicionam o início e fim dos séculos em momentos históricos que cambiaram a geopolítica, eu quero chamar a reflexão para quem ainda não notou, que está ocorrendo uma ruptura brusca nas coisas como eram. Claro que desde a crise de 2008 podemos observar rachaduras na estrutura da organização planetária, com várias nuances...

Professor, além de dar aula você trabalha?

Prof. Lambeau: "Você tem medo de fracassar, e é por isso que você sabota qualquer chance que tenha de realmente ter sucesso." Will: "Você acha que eu sou um fracassado porque quero trabalhar em uma construção?" [1]   A linguagem cria e derruba realidades. Curioso como a escolha de palavras pode ser aterrorizante. Há alguns anos o jornalista Alexandre Garcia [2] fez um comentário em um dos noticiários da televisão aberta, todos os anos o vídeo ressurge das trevas do esquecimento quando chega próximo ao Dia dos Professores. O texto do jornalista a princípio, sem análise crítica, parece uma ode, uma homenagem aos professores e professoras desamparadas, que tem até medo de serem denominadas como tal, preferindo ser chamadas de educadoras ou pedagogas (SIC). Mas qual seria a minha análise crítica do que é proferido pelo jornalista. Ao contrário de elevar a condição de professor, ela rebaixa! Sim, simulando o enaltecer de toda uma categoria, ela coloca todos em...

Filosofia e (é) autoajuda?

Modernidade Líquida, como dizia o sociólogo Zygmund Buman. As coisas são tão fluidas a partir do que ficou convencionado chamar de pós-modernidade, que o individualismo chegou a um ponto bem fora da curva. Aí o sujeito fica sozinho na multidão e não pode parar, precisa ficar se movendo o tempo todo. Muda de emprego, muda de relação, muda a profissão, muda de cidade, e vai mudando. Afinal, pedra que muito se muda não cria limo jamais [1] . Este limo que a pedra vai juntando em um ponto sólido da paisagem húmida de um bosque, por exemplo, se torna parte integrante desta mesma pedra. Se você retirar o limo e devolver a pedra ao mesmo lugar, pode ter certeza que algo no ecossistema terá que ser readaptado. Tempo para pensar? De jeito nenhum, o líquido é fluido, suas moléculas tem que estar em movimento constante e modificam seu formato de acordo com as fronteiras que aparecem a sua frente. Hora do exemplo dramático, um rio flui através de espaços propícios em um determinado solo, até que e...