Pular para o conteúdo principal

O dia em que George Dantzig não soube que era impossível — e por isso resolveu

Ano de 1939. A manhã era fria em Berkeley, e a névoa típica da baía ainda pairava sobre o campus da Universidade da Califórnia como um véu fino. Os sinos da torre da Sather Tower já haviam tocado há alguns minutos quando George Dantzig, um jovem de cabelos escuros despenteados pelo vento e olhos ainda pesados pelo cansaço, subia apressado os degraus de pedra do antigo prédio de ciências exatas.

Ao entrar na sala de aula, tentou não chamar atenção. O professor Jerzy Neyman, de terno escuro bem alinhado, escrevia no quadro com firmeza, traçando símbolos matemáticos com uma elegância quase coreográfica. A sala estava silenciosa, exceto pelo som do giz riscando o quadro e o leve tilintar de folhas sendo viradas pelos estudantes.

George se acomodou no fundo, tirou o caderno do bolso do casaco surrado e olhou para frente. O quadro já exibia dois problemas longos, com equações densas e estruturas algébricas intimidadoras. Achando que eram parte da tarefa da semana, ele os copiou sem pensar duas vezes, ainda massageando discretamente a têmpora em um gesto de fadiga.

Dias se passaram. O inverno californiano seguia úmido e cinza. George se refugiava por horas nas grandes mesas de madeira da biblioteca, cercado por pilhas de livros de estatística e probabilidade. O cenho franzido, as mãos manchadas de grafite, os olhos tensos mas determinados. Ele não sabia que aqueles problemas haviam resistido à inteligência de gerações de matemáticos. Só sabia que estavam ali para serem resolvidos.

Seis semanas depois, com as mãos trêmulas e os olhos marejados pelo esforço, entregou a Neyman as folhas com sua caligrafia firme e exausta. “Desculpe a demora”, disse, num tom quase envergonhado. Neyman pegou os papéis com desatenção, achando que era apenas mais um dever entre tantos.

Mas dias depois, algo mudou. Neyman bateu à porta da casa de George com um sorriso contido e os olhos arregalados. “Você resolveu um problema que o mundo inteiro achava insolúvel”, disse, com a voz carregada de incredulidade e admiração.

George arregalou os olhos, sem entender de imediato. “Eu… só achei que era dever de casa”, respondeu.

Ambos riram, um riso entre o espanto e a revelação. Naquele instante, mais do que um feito matemático, uma lição humana se revelou: o impossível só parece impossível até que alguém, sem saber disso, vá lá e faça.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

O Século XXI Acabou?

Muitos intelectuais assinalam que os séculos de fato não se comportam como séculos cronológicos. Como exemplo, o século XX teria iniciado com as grandes guerras e terminado com a queda do muro de Berlim. Se não combinarmos que há um vácuo temporal ou vazio escalar numérico, o século XXI teria começado ali, o que muitos contestam e dizem que o século XXI começou em setembro de 2001 (Torres Gêmeas) outros que começa em 2008 (Crise dos Subprimes ). Para minha argumentação as datas específicas em si não são tão relevantes, mas sim os conceitos, ou seja, em qual “século” posicionaremos as mudanças na ordem geopolítica que estão ocorrendo em 2025? Como as referências citadas posicionam o início e fim dos séculos em momentos históricos que cambiaram a geopolítica, eu quero chamar a reflexão para quem ainda não notou, que está ocorrendo uma ruptura brusca nas coisas como eram. Claro que desde a crise de 2008 podemos observar rachaduras na estrutura da organização planetária, com várias nuances...

Professor, além de dar aula você trabalha?

Prof. Lambeau: "Você tem medo de fracassar, e é por isso que você sabota qualquer chance que tenha de realmente ter sucesso." Will: "Você acha que eu sou um fracassado porque quero trabalhar em uma construção?" [1]   A linguagem cria e derruba realidades. Curioso como a escolha de palavras pode ser aterrorizante. Há alguns anos o jornalista Alexandre Garcia [2] fez um comentário em um dos noticiários da televisão aberta, todos os anos o vídeo ressurge das trevas do esquecimento quando chega próximo ao Dia dos Professores. O texto do jornalista a princípio, sem análise crítica, parece uma ode, uma homenagem aos professores e professoras desamparadas, que tem até medo de serem denominadas como tal, preferindo ser chamadas de educadoras ou pedagogas (SIC). Mas qual seria a minha análise crítica do que é proferido pelo jornalista. Ao contrário de elevar a condição de professor, ela rebaixa! Sim, simulando o enaltecer de toda uma categoria, ela coloca todos em...

Filosofia e (é) autoajuda?

Modernidade Líquida, como dizia o sociólogo Zygmund Buman. As coisas são tão fluidas a partir do que ficou convencionado chamar de pós-modernidade, que o individualismo chegou a um ponto bem fora da curva. Aí o sujeito fica sozinho na multidão e não pode parar, precisa ficar se movendo o tempo todo. Muda de emprego, muda de relação, muda a profissão, muda de cidade, e vai mudando. Afinal, pedra que muito se muda não cria limo jamais [1] . Este limo que a pedra vai juntando em um ponto sólido da paisagem húmida de um bosque, por exemplo, se torna parte integrante desta mesma pedra. Se você retirar o limo e devolver a pedra ao mesmo lugar, pode ter certeza que algo no ecossistema terá que ser readaptado. Tempo para pensar? De jeito nenhum, o líquido é fluido, suas moléculas tem que estar em movimento constante e modificam seu formato de acordo com as fronteiras que aparecem a sua frente. Hora do exemplo dramático, um rio flui através de espaços propícios em um determinado solo, até que e...